É incontestável que a sociedade contemporânea jamais enfrentou um problema de saúde da gravidade e dimensão da COVID-19. A pandemia nos levou a mudar modos de vida, hábitos, atitudes. No presente contexto, propomos discutir em breves linhas, sem jamais ter a pretensão de sermos exaurientes, os desafios que as redes públicas municipais de ensino vêm enfrentando no que tange ao ensino não presencial. A ideia central é muito mais formatar as perguntas que compreendem-se como fundamentais do que trazer as respostas, visto que essas dependem sempre da realidade de cada um.
Diante da suspensão das aulas imposta pelo Coronavírus, todos, sem exceção, se viram diante do mesmo dilema: como manter o vínculo aluno-escola de modo que ela cumpra sua função social? A resposta aqui não pode ser simples, pois esse questionamento se desdobra em inúmeros outros. Na prática algumas Secretarias Municipais de Educação tentaram estabelecer essa relação de ensino não presencial, contudo devemos analisar se esse processo ocorreu sem violar direitos e garantias fundamentais, o que só é possível aferindo de modo idôneo os resultados alcançados. Não tratamos aqui de críticas prévias a qualquer tentativa (a ação tem mais valor que a omissão), mas de propor que certos pressupostos sejam atendidos durante esse processo.
Face ao exposto, questionamos primeiramente se a universalização desse processo de educação ocorreu ou ocorrerá na prática. É preciso aferir se o processo de ensino-aprendizagem atendeu na prática a um determinado segmento de alunado em sua totalidade, imaginemos por exemplo que as atividades propostas atingiram cem por cento dos alunos de uma determinada turma de uma certa escola, sendo isso constatado após análise idônea do processo, é possível concluir então que a universalização foi respeitada no tocante àquele segmento.
É necessário pensar, também, no respeito ao princípio da equidade. O questionamento aqui é no sentido de aferir se de fato a concepção da Secretaria Municipal de Educação tem lastro na equidade das condições de ensino.
Nesse sentido, Valter Lemos[1] nos traz que:
“No respeitante à equidade, podemos identificar historicamente três fases nas políticas públicas de educação, começando com a igualdade de acesso, ou seja, o direito de todos à frequência da escola independentemente da sua origem, passando depois à igualdade de tratamento (ou de recursos), ou seja, a prestação a todos de igual serviço educativo, e mais recentemente à igualdade de resultados e competências (Demeuse e Baye, 2008). ” (grifo nosso)
Nesse momento de pandemia urge pensar sobre a igualdade de tratamento ou de recurso. Imperioso destacar que não conseguimos conceber um processo excludente. Assim sendo, ao adotarmos um processo de aulas remotas por meio de um determinado aplicativo, é necessário aferir se todos dispõem desse meio, do contrário isso não poderá ser concretizado, sob pena de estarmos agindo de modo excludente violando de morte o princípio da equidade.
Por fim, mas não menos importante, é preciso conceber uma proposta de ensino não presencial no qual o processo de ensino-aprendizagem por meio da efetivação de competências e habilidades seja concretizado, devendo haver meios para sua aferição. Entendemos que para alcançar o objetivo em questão, o núcleo de todo processo deverá ser, e não poderia ser diferente, as(os) professoras(es), haja vista que eles são os atores principais do sistema de ensino. São as(os) professoras(es) que devem propor as atividades, avaliar seus resultados, relatar necessidade de mudanças, pois são eles que conhecem, por meio do contato direto, as singularidades do seu alunado. É claro que é muito mais simples verticalizar o processo, com um só modelo de atividade para um determinado segmento do alunado, mas não concebemos de modo algum que essa seja a melhor forma de tentar minimamente (considerando o ineditismo da situação) que o processo de ensino-aprendizagem seja de fato respeitado.
Em resumo, é preciso inquerir se o processo de ensino não presencial implementado ou em vias de implementação é universal, se respeita o princípio da equidade e se garante a concretização do processo de ensino-aprendizagem (não sendo um mero faz de contas). Entendemos que o computo desse ensino não-presencial como hora-aula só será minimamente válido se atendidos esses três pressupostos. Como dito no início, o presente texto não tem o condão de exaurir a matéria, mas entendemos que os três questionamentos levantados têm como lastro fornecer elementos que deverão nortear o processo de ensino não presencial nesse período de pandemia. Sabemos que o momento é difícil, delicado e os desafios são hercúleos, mas citando o grande Mario Quintana[2]: “ Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas! ”.
Autor: Eduardo Mendes, Advogado e Secretário de Educação do Município de Igrapiúna.
[1] https://journals.openedition.org/spp/1383
[2] Mario Quintana , Espelho Mágico. Porto Alegre: Editora Globo.1951.
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